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SOCIEDADE E MEIO AMBIENTE

"A consciência ecológica somente surgirá quando aliarmos ao nosso conhecimento racional uma intuição da natureza não linear de nosso ambiente".

Frijoft Capra

Dionei Delevatti

1. Introdução

Existe uma preocupação premente com o meio ambiente, podemos dizer que esta assentou-se nas últimas décadas, quando finalmente reconheceu-se a finitude dos recursos ambientais e também o grau de destruição que já havia acontecido nos mesmos, isto tudo derivado de um único fator ou conseqüência – as ações do homem sobre o meio ambiente.

 

Podemos dizer, assim, que o homem é o principal agente causador dos desequilíbrio ambientais, isto decorre de um "modelo de crescimento" produtivista e concentrador. Seguindo este raciocínio, sendo o homem o principal agente que tem influência direta no meio ambiente, é a estes que devemos concentrar nossas ações, é a estes que devemos nos dirigir e a educação ambiental é um meio de "reeducação", onde a sociedade e a coletividade possam trabalhar uma nova relação com o meio ambiente.

 

Esta relação começa por uma nova postura, por um novo olhar, e é isto, que a educação ambiental pode realizar, ou seja, fazer com o homem possa ter uma relação mais harmoniosa com o seu meio ambiente.

 

2. Uma leitura das ciências e a natureza

Devemos inicialmente averiguar como o homem concebeu o seu modo de conhecimento, o seu modo de enxergar o mundo e consequentemente de agir nele, em especial a civilização ocidental a qual pertencemos.

 

Rene Descartes é considerado o fundador da filosofia moderna, o seu pensamento e o modelo de investigação que concebeu são os alicerces da ciência moderna. Seu método de investigação é analítico. Consiste em decompor pensamentos em suas partes e em dispô-las em sua ordem lógica. Em sua visão deveria seguir o seguinte roteiro:

 

" o primeiro- consistia em nunca aceitar, por verdadeira, cousa nenhuma que não conhecesse como evidente; em segundo- dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas pudessem ser e fossem exigidas para melhor compreendê-las; o terceiro- conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo certa ordem entre os que não precedem naturalmente uns aos outros; e o último- fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais, que ficasse certo de nada omitir" (Descartes, 1960. p 67 e 68).

 

O universo em sua concepção era uma máquina, onde o comparou o corpo dos animais a um relógio. Considerou o corpo humano uma máquina, comparando que um onde homem doente é como um relógio mal fabricado e um homem sadio a um relógio bem-feito (Capra, 1982).

 

A tentativa reducionista de entender melhor o mundo resultou em um processo de fragmentação do conhecimento fazendo deste o seu relacionamento com o meio que o cerca. A base desta ciência, e que ainda perdura até os dias atuais é resultado do cartesianismo que configuraram os nossos pensamentos como podemos ver em sua afirmação "... aplicá-los a todos os usos aos quais são próprios e, assim, tornar-nos senhores e possuidores da natureza" (Descartes, 1960. p 136). A arte de dominar a natureza onde seus componentes podem ser desmontados, particularizou o conhecimento e praticamente eliminou as inter-relações e a interdisciplinariedade das ciências. Talvez não fosse esta a intenção de Descartes, no entanto, os seus seguidores e os alicerces da ciência levaram a esta compreensão. Devemos perceber, no entanto, que apenas os aspectos mais fáceis de serem compreendidos dentro de uma grande obra são realmente aplicados, podemos dizer que os "ismos" acabam comprometendo na maioria das vezes o que grandes figuras da humanidade realizaram.

 

Apesar de alguns avanços nas ciências, do conhecimento científico na superação da fragmentação com uma abordagem mais sistêmica, o sistema educacional continua caracterizando-se pela fragmentação do conhecimento (Moraes, 1998).

 

Para Capra (1982), a nova visão da realidade baseia-se na consciência do estado de inter-relações e interdependência essencial de todos os fenômenos – físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Essa visão transcende as atuais fronteiras disciplinares e conceituais e será explorada no âmbito de novas instituições.

 

Construção de redes interdisciplinares é um paradigma que precisa ser trabalhado, ainda estamos acostumados as caixinhas, as gavetas onde cada qual tenta depositar seu conhecimento e ter sua visão de mundo. No entanto a complexidade e interdependência dos efeitos ambientais nos sugerem que é praticamente impossível de analisá-los sob um único prisma.

 

A seguinte passagem pode ilustrar uma visão sistêmica e holística do mundo:

Aí estão eles, movimentando-se de um lado para outro no meu citoplasma. (...) seu parentesco é muito menos comigo do que entre si e com as bactérias que vivem livremente lá fora à sombra da colina. Sinto-os como se fossem seres estranhos, mas acode-me o pensamento de que estas mesmas criaturas, precisamente as mesmas, estão também nas células das gaivotas e baleias, e na erva das dunas, e nas algas marinhas, (...) e mais para o lado da terra nas folhas da faia no quintal de minha casa, e na família de jaguatirica (....) e até naquela mosca pousada na vidraça da janela. Através deles, estou ligado a todos os seres vivos; sim tenho parentes próximos, parentes em segundo grau, espalhados por todo mundo. (Thomas, Lewis apud Capra,1982 p. 269).

 

3. O nosso "crescimento"

A concepção de crescimento adotada pelo nosso modelo produtivista e concentrador provocou desequilíbrios ambientais e sociais de proporções desastrosas, estamos iniciando um novo milênio onde a própria sobrevivência humana pode ser colocada em cheque.

 

Inicialmente devemos contextualizar que houve uma certa confusão entre os termos crescimento e desenvolvimento. Para Veiga, até o final da Segunda Guerra Mundial e meados dos anos sessenta não se fazia distinção entre desenvolvimento e crescimento econômico. Discutia-se a melhor maneira de medir o crescimento do produto anual de uma nação, mas havia um largo consenso sobre a idéia de que uma economia cresce quando a produção aumenta pelo menos no mesmo compasso que a população. Segundo Sachs, um estreito economismo levava a pensar que, uma vez assegurado o crescimento das forças de produção, provocaria um processo completo de desenvolvimento estendendo-se de maneira mais ou menos espontânea a todos os domínios da atividade humana. Arrighi, sinaliza que o conceito de industrialização também ficou atrelado ao conceito de desenvolvimento, acontecendo, no entanto, que mesmo quando o processo de industrialização migrou do núcleo orgânico capitalista para os países periféricos ou semi-periféricos, não representou desenvolvimento para estes países.

 

Ainda para Veiga, não existe ainda uma definição ou um consenso sobre desenvolvimento, mas sim que este foi paulatinamente incorporando uma série de aspectos: emprego, necessidades básicas, saúde, educação, equidade, etc. Mais recentemente percebeu-se que as necessidades ambientais de qualquer progresso futuro poderiam estar comprometidas por um crescimento econômico predatório de recursos naturais e altamente poluidor.

 

Também nas décadas 60/70 os movimentos ecologistas criticavam e questionavam os valores da sociedade ocidental, propondo um novo ethos e coletivo como via alternativa (Carvalho, 2000). Este movimentos conseguiram no decorrer dos anos fazer com que o meio ambiente fosse paulatinamente incorporado na concepção de modelos de desenvolvimento.

 

Apesar do meio ambiente estar presente em diversas pautas de discussão, o seu avanço em atividades práticas e eficazes ainda é pequeno. O comprometimento das nações, ainda necessita avançar para podermos afirmar que este esteja realmente inserido e principalmente respeitado na proposição e execução de políticas ambientais que atendam a necessidade vigente.

 

3.1 Os aspectos sociais

Constam nos relatórios do Banco Mundial, das Nações Unidas, da OCDE que: cerca de 3,5 bilhões de habitantes do planeta, algo como dois terços do total, olham para os sucessos da humanidade do ponto de vista de uma renda per capita média de 350 dólares por ano, algo como um dólar por dia. Também não se consegue alguns centavos de dólar por criança para resolver o problema da cegueira infantil que resulta da falta de vitamina A, ou outros centavos que permitiriam comprar iodo e eliminar o bócio. Cada um destes males atinge meio milhão de crianças por ano (Dowbor, 1998).

 

O Brasil também é considerado a oitava economia do mundo, no entanto, no recente levantamento do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-2000) o Brasil obteve a 72? colocação, ficando ao lado do Cazaquistão e Arábia Saudita. A principal perda de pontos do Brasil se deu devido a dois fatores: baixos índices educacionais e de expectativa de vida. Mesmos nos países considerados ricos, como os Estados Unidos, que é a maior economia mundial (Produto Nacional Bruto de oito trilhões), um em cada cinco americanos é considerado funcionalmente analfabeto e 14,4% da população vive abaixo da linha da pobreza.

 

Segundo o estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2001), o Brasil tem 49,6 milhões de pessoas vivendo na miséria, o que representa 29,3% da população abaixo da linha da indigência, com renda mensal inferior a R$ 80,00. Os pesquisadores do FGV apontam um dado altamente preocupante, onde cerca de 46% do total de pobres são crianças com menos de 16 anos. O Mapa do Fim da Fome indica que seriam necessários R$ 21,689 bilhões por ano para acabar com a miséria no Brasil (Correio do Povo, 10/07/2001, p. 17).

 

O Estado do Rio Grande do Sul, apesar de ter o melhor IDH do Brasil, apresenta também graves problemas com relação a miséria conforme podemos constatar pela tabela baixo.

Custo para erradicar a miséria no RS

Municípios*

População 2001

Proporção Indigentes

Transferências necessárias

por ano (R$)

Total do Estado

10.179.801

16,76%

675.629.320,45

Alvorada

183.421

17,26

11.396.166,84

Bagé

118.747

29,69%

14.230.260,49

Cachoeirinha

107.472

11,47%

4.215.653,68

Canoas

305.711

13,93%

17.799.717,26

Caxias do Sul

360.207

5,99%

11.646.500,89

Gravataí

232.447

11,93%

10.418.832,41

Novo Hamburgo

236.037

13,36%

11.592.626,80

Passo Fundo

168.440

8,31%

5.365.285,63

Pelotas

323.034

10,18%

10.711.290,59

Porto Alegre

1.359.932

10,56%

60.119.873,86

Rio Grande

186.755

15,77%

14.701.353,60

Santa Cruz do Sul

107.501

10,30%

4.766.852,34

Santa Maria

243.392

15,98%

13.764.693,81

Sapucaia do Sul

122.677

12,96%

5.734.217,40

São Leopoldo

193.403

14,34%

10.568.158,81

Uruguaiana

126.561

20,91%

11.163.287,69

Viamão

226.669

18,68%

14.598.934,28

* Com mais de 100 mil habitantes

Correio do Povo, 10/07/2001, p. 17)

A Bacia Hidrográfica do Rio Pardo também apresenta contrastes nos aspectos sociais, apesar do município de Santa Cruz do Sul apresentar um PIB per capta de U$ 12.834,02, na região serrana da bacia acontece de estarmos entre os PIB mais baixo do Estado do Rio Grande do Sul, onde o município de Lagoão apresenta um PIB de per capita U$ 818,33 (IBGE, 1999).

 

3.2 Aspectos ambientais

Os efeitos ao meio ambiente são os mais diversos. Entre estes temos o efeito estufa, onde a elevação da temperatura poderá resultar em modificações profundas no regime de precipitações, no ciclo natural das águas e na elevação dos níveis dos oceanos. Para não piorarmos a situação, seriam necessárias medidas de controle que inibem a emissão de gases, ou pelo menos amenizem, principalmente a emissão do dióxido de carbono CO2, que é o principal responsável pelo aumento do efeito estufa (Boletim informativo do Núcleo de Recursos Hídricos, no 4, 2001).

 

Em Bonn, 178 países selaram o acordo sobre metas para cumprir o Protocolo de Kyoto (de combate às mudanças climáticas e o corte de emissões de gases causadores do efeito estufa). O acordo básico inclui a aplicação dos créditos de emissão de poluentes em troca da ajuda a conservação de florestas e a produção de energia limpa, este acordo foi realizada mesmo sem o apoio do EUA (Correio do Povo, 24 e 25/7/2001).

 

A nível global, se protocolos como o Kyoto entre outras agendas internacionais de preservação do meio ambiente, países ditos "desenvolvidos" como os EUA e Canada se negarem a respeitá-los as dificuldades serão imensas na preservação do meio ambiente, uma vez que são eles mesmos os maiores poluidores, somente os EUA é responsável por 22% da emissão global de CO2 (Souza, 2000).

 

Também temos o desequilíbrio climático, a escassez dos recursos hídricos resultados de ações como desmatamento, queimadas, destruição da flora e da fauna tendo como conseqüência a perda da biodiversidade.

 

Esta situação se reflete também na bacia hidrográfica do Rio Pardo (BHRP), conforme LOBO e COSTA (1997):

"... a crescente sobrecarga das águas superficiais, especialmente nas imediações de grandes zonas urbanas bem como de pólos industriais, impõe a observância de critérios ecológicos de avaliação superficialmente capazes de detectar e representar a carga poluidora e a tolerância, aos seus efeitos, nos ecossistemas lóticos...".

 

A BHRP também apresenta problemas que foram apontados pelos estudos realizados pela ECOPLAN, destacamos a seguir alguns pontos críticos citados:

 

     

  • o escoamento hídrico superficial em função das condições topográficas, ocorre rapidamente no seu trecho superior e médio, acentuando os efeitos das cheias e repercutindo em vazões mínimas, durante as estiagens (esta situação reflete-se na região serrana da bacia);
  •  

  • os efluentes hídricos que aportam aos cursos de água e aqüíferos, em sua grande maioria urbanos, não recebem tratamento, quando dispostos superficialmente. Já, na disposição subterrânea, observa-se um grau de tratamento primário;
  •  

  • a qualidade das águas está fortemente influenciada pelos efluentes urbanos (esgotos domésticos) lançados à rede hídrica sem tratamento;
  •  

  • a exploração dos recursos minerais (pedreiras próximas às nascentes, jazidas de argila junto às planícies de inundação de rios e arroios, extração de areia e cascalho do leito e margens dos rios) tem originado alguns impactos importantes sobre os recursos hídricos tais como a alteração das condições qualitativas da água.

 

Também existem a contaminação dos mananciais pelo mau uso do solo (sem conservação) e a utilização de adubos solúveis e agrotóxicos. A falta de conservação de mata ciliares, e não destinação adequada dos resíduos sólido contribuem para o agravamento da situação.

 

3. O papel da educação ambiental

É importante conhecer o contexto onde estamos inseridos, a perceber de que maneira o mundo é o que é, ou melhor, desvendar seus meandros, racionalizar, refletir, intuir sobre a realidade que nos cerca. Dentro desta perspectiva insere-se o papel da educação ambiental.

A Conferência Internacional sobre Educação Ambiental, a Conferência de Tbilisi (1977) como ficou mais conhecida foi um marco histórico de destaque na evolução ambiental, de onde houveram as seguintes recomendações:

 

a) A educação ambiental é o resultado de uma orientação e articulação de diversas disciplinas e experiências educativas que facilitam a percepção integrada do meio ambiente, tornando possível uma ação mais racional e capaz de responder às necessidades sociais;

b) Um objetivo fundamental da educação ambiental é lograr que os indivíduos e a coletividade compreendam a natureza complexa do meio ambiente natural e do meio ambiente criado pelo homem, resultante da integração de seus aspectos biológicos, físicos, sociais, econômicos e culturais, e adquiram os conhecimentos, os valores, os comportamentos e a habilidades práticas para participar responsável e eficazmente da prevenção e solução dos problemas ambientais, e da gestão da questão da qualidade do meio ambiente;

c) O propósito fundamental da educação ambiental é também mostrar, com toda clareza, as interdependências econômicas, políticas e ecológicas do mundo moderno, no qual as decisões e comportamentos dos diversos países podem ter conseqüências de alcance internacional. Neste sentido, a educação ambiental deveria contribuir para o desenvolvimento de um espírito de responsabilidade e de solidariedade entre os países e as regiões, como fundamento de uma nova ordem internacional que garanta a conservação e a melhoria do meio ambiente;

 

    1. Para a realização de tais funções, a educação ambiental deveria suscitar uma vinculação mais estreita entre os processos educativos e a realidade, estruturando suas atividades em torno dos problemas concretos que se impõem à comunidade; enfocar a análise de tais problemas, através de uma perspectiva interdisciplinar e globalizadora, que permita uma compreensão adequada dos problemas ambientais;
    2. O desenvolvimento eficaz da educação ambiental exige o pleno aproveitamento de todos os meios públicos e privados que a sociedade dispõe para a educação da população: sistema de educação formal, diferentes modalidades de educação extra-escolar e os meios de comunicação de massa.
    3.  

    4. Para Muller (sd), a educação ambiental num contexto de sociedade pode permitir a compreensão das características complexas do meio ambiente e interpretar a interdependência entre os diversos elementos que conformam os seres vivos, com vistas a utilizar racionalmente os recursos naturais na satisfação material e espiritual da sociedade no presente e no futuro. Assim, a mesma deve capacitar ao pleno exercício da cidadania, através da formação de uma base conceitual abrangente, técnica e culturalmente capaz de permitir a superação dos obstáculos à utilização sustentada do meio. O desafio da educação é o de criar as bases para a compreensão da realidade.

 

Ainda na visão de Muller (sd), a educação ambiental deve contribuir para que haja comprometimento real das pessoas com os valores ambientais e sintam interesse e preocupação com a natureza, motivados de tal modo que possam participar ativamente nos projetos coletivos locais e regionais de melhoria e de proteção da qualidade ambiental, com reflexos imediatos na qualidade de vida das pessoas. Deve também tornar consciente de que o verdadeiro objetivo do desenvolvimento é melhorar a qualidade de vida das pessoas. É um processo que torna possível aos seres humanos perceberem seu potencial, obter autoconfiança e uma vida plena, com dignidade e satisfação.

 

Temos que o papel da educação ambiental é amplo, onde procura-se uma articulação de diversas disciplinas, este talvez seja o primeiro desafio a ser superado, fazer com que o conhecimento se processe pela interdisciplinariedade.

 

O processo de aproximação do indivíduo/coletividade com o seu ambiente é de fundamental importância, pois como valorizar o que não conhecemos, de ver o que se tem de bom ou de ruim no ambiente que nos cerca, onde todos somos responsáveis.

 

Também devemos ressaltar o reconhecimento do ambiente que nos cerca. Normalmente estamos acostumados com a paisagem, seja esta natural ou até mesmo de aspecto degradante, a rotina continuada faz com que o "costume" se torne parte do meio fazendo com isso que aspectos relevante de nosso meio ambiente sejam aos poucos esquecidos, sejam eles ambientais, culturais, etc. Até mesmo a violência, principalmente nas grandes cidades sejam encarada com "naturalidade" pelos seus habitantes.

A seguir apresentaremos um esquema sintético da educação ambiental, procurando visualizar todas os fatores que ela procura contemplar ou estão inseridos dentro do seu contexto.

Quadro: A educação ambiental em rede


O processo de educação ambiental compreende a interdependência entre os fatores econômicos, ambientais e sociais, o conhecimento da realidade local, a consciência cidadã entre outros fatores como podemos observar no quadro.

 

Assim apresentaremos a Matriz do Itinerário de Desenvolvimento- ID, que faz parte de um Diagnóstico Rural Participativo (DRP), realizado durante o ano de 2000, na Região do Vale do Rio Pardo. A apresentação desta matriz tem como objetivo verificarmos na nossa realidade, através de um processo histórico, a interdependência e conseqüência nas alterações dos fatores, procurando visualizar como um influencia e transforma o outro. Consideraremos os fatores econômicos, ambientais e sociais para esta análise. O DRP é um processo de aprendizagem intensivo, sistêmico e semi-estruturado, realizado em uma comunidade rural por uma equipe multidiciplinar, a qual inclui pessoas das comunidades. Pode ser utilizado para a identificação de necessidades, estudos de viabilidade, identificação de prioridades, monitoria, acompanhamento e avaliação de projetos.

 

O diagnóstico inclui o uso de diversas ferramentas e instrumentos para sua implementação como o uso de mapas da comunidade (infra-estrutura, solos, etc), caminhada transversal, entrevistas semi-estruturadas, enfim existe uma gama de instrumentos que podem ser utilizados na realização do DPR. Destes instrumentos vamos destacar o Itinerário de Desenvolvimento (ID) que é uma análise dos fomentos, mecanismos e conseqüências das transformações técnicas, econômicas, sociais e ambientais da comunidade com base na identificação das etapas, desde a origem da comunidade até os dias atuais com a visualização do processo de diferenciação social. São entrevistados pessoas que acompanharam o desenvolvimento da comunidade, ou seja, pessoas que são mais antigas na comunidade. Na caminhada transversal é interessante notar a forma diferenciada do agricultor que habituado ao seu meio ambiente, possa a partir desta visualizar com "novos olhos a sua própria realidade", detectando através da caminhada processos erosivos, matas, depósitos irregulares de lixo, etc.

 

Apresentaremos a seguir a tabulação da matriz do itinerário de desenvolvimento da comunidade de Vila Melo, município de Vale Verde. O itinerário apresenta aspectos econômicos, socio-culturais, ambientais e fatos relevantes ocorridos na comunidade. Este processo é análogo a outras comunidades da região do Vale do Rio Pardo.

 

MATRIZ DE TABULAÇÃO DO ITINERÁRIO DE DESENVOLVIMENTO- ID

Período-Origem

Econômico

Sócio-cultural

Ambiental

Fatos Relevantes/crises

1880 a 1940: origem da comunidade; primeiros moradores

- Culturas milho, feijão, arroz, aipim, centeio e trigo para panificação para subsistência.

- Charque e toucinho suíno para venda ou troca por querosene, sal e sementes.

- Produção de uva e vinho(1925)

- Produção de pedras

- Alambiques- primeiro em 1880, e o segundo 1910.

- Produção de açúcar mascavo fumo de corda e de galpão (1910). Fumo de estufa (1920-1930) Souza Cruz

- Produção de sementes próprias

- Sistema de transporte era carroças, cavalos

- Alimentação com base na subsistência, produzida nas propriedades (aipim feijão arroz, milho, charque, banha, carne cozida)

- Casas de madeira e pedras. Cozinha separada da sala dormitórios e salão., pontes de pedras

- Famílias numerosas - 15 filhos

- Origem Alemã e portuguesa. - Religião predominante evangélica, mas tinha também católicos.

- Forte sistema de integração (mutirões)

- Lazer jogos de argolinha, bandas, muita festa.

- Educação: aulas em alemão na casa da professora (Berta Spies, 1925), na capela (1930)

- Medicina caseira, plantas , Benzedeiras, parteira, curandeira.

- Construção da capela (1927).

- Mata virgem

- Divisão das terras por cercas de pedra e valetas

- Derrubada de mata para plantio, construções e consumo (lenha)

- Caça e pesca,

- Água natural (fontes e cacimbas rasas )

- Bugio, paca, lebre tatu, cotia, mão pelada, pássaros, guará

- Flora e fauna abundantes

Inicio das pedreiras

- Divisão da comunidade (construção da capela)

- Durante o ano de 1936 os agricultores não conseguiram comercializar seus produtos ( crises de preços), estocaram os produtos por um ano.

1940 a 1960

- Inicio do plantio de fumo de estufa

- Incremento da agricultura aumentou a venda de produtos

- Aumentou o uso de subprodutos (farinhas)

- Cooperativa em Venâncio Aires (1940-1945)

Escola comunitária (1945) primeiras rodovias- transporte, Fortificou a religião católica presença de auxílio mútuo ( que diminuiu).

Cemitério ( 1955)

Aumento do desmatamento

Inicio do uso de agrotóxicos no final do período

Proibição de falar a língua alemã (Segunda Guerra Mundial ) e suspensão das aulas

Forte seca em 1945

1960 a 1985

- Intensificação da fumicultura e extração de pedras

- Aumento de utilização de insumos agrícolas, - - - Diminuição das culturas do milho, feijão...em favor da cultura do fumo

- Chegada da energia elétrica (1960)

- As casas começaram a ser construídas com tijolos, brasilit, com mudança de estilo de construção.

- Aumento de parceria nas pedreiras, aumento do poder aquisitivo

- Inicio do êxodo rural, divisão das propriedades, - - - - Filiação sindical em diversos municípios

- Intensificação do desmatamento,

- Destruição das rochas

- Diminuição da fertilidade dos solos

- Aumento do uso de agrotóxicos

- Diminuição da fauna

- Corte de energia em 1969, retorna em 1974.

- Construção do pavilhão dividiu comunidade (1979-1980)

- Inauguração do pavilhão(30/1082)

- Organização da Sociedade católica

- Monocultura do fumo, - - Busca de novas alternativas (hoje): Leite, amendoim, peixe, mel, pepino, queijo.

- Aumento do custo de produção das lavouras

- Aumentou o consumo de produtos de fora da propriedade

- Aumento do consumo de produtos industrializados, Intensificação da divisão das propriedades.

- Construção da nova escola municipal,

- Meios de comunicação (3 telefones)

- Intensificação do êxodo rural (jovens) 1985.

- Algumas famílias possuem água em abundância, outras sentem falta em certas épocas.

- Surgimento do clube de mães

- Mudanças no habito alimentar (carnes)

- Aumento do reflorestamento com eucalipto

- Abandono de áreas agrícolas Aumento de cargas

- Ressurgimento da fauna, diminuição da caça (proibição)

- Organização forte Clube de Mães

- Asfalto da RS 405(1994)

- Diminuição de mão de obra

- Pessimismo com relação à fumicultura

- Emancipação do Município

- - Regulamentação na exploração das pedreiras

Fonte: Curso de Desenvolvimento Rural Sustentável e Metodologias Participativas, II Módulo, 2000.

Podemos perceber através da matriz as inter-relações entre os fatores econômicos, socioculturais e ambientais. Para uma melhor síntese, dividiremos em três grandes períodos onde podemos analisar a evolução ocorrida na comunidade:

 

1880-1940 – O sistema econômico predominante de subsistência onde se produzia o máximo na propriedade e com isso menor dependência externa. Sistema social com a ocorrência de mutirões pela população envolvendo a auto-ajuda em termos de plantio, saúde, etc. Em relação ao meio ambiente ocorria a degradação em termos de caça e desmatamento.

1940-1980 – Durante este período ocorre início e consolidação da revolução verde com o incremento da monocultura de fumo e a utilização cada vez maior de adubos solúveis e agrotóxicos. O sistema social perde força, diminuindo a auto ajuda e começando aumentar paulatinamente o individualismo (são instaurados processos competitivos e não cooperativos). O meio ambiente é atingido por meio da presença de agroquímicos das lavouras de fumo, diminuição da fertilidade do solo entre outras conseqüências.

1980-2001 – Consolida-se o processo econômico, o individualismo é a conduta social, o meio ambiente continua sofrendo agressões, apesar de medidas restritivas como a proibição da caça e do corte de mato, abandono de áreas agrícolas e surgimento de capoeirões (êxodo rural) e começa o surgimento da consciência ecológica. Consta-se que este período é a consolidação dos processos econômicos, sociais e ambientais surgidos no período anterior.

 

Existe uma inter-relação entre os fatores econômicos, sociais e ambientais como podemos acompanhar na matriz de desenvolvimento da comunidade. As principais alterações são no modelo econômico-produtivo, da subsistência e venda do excedente para um sistema altamente dependente de insumos externos, uma mudança no sistema social de um trabalho de auto-ajuda e mutirões para um modelo individualista e ambientalmente do desmatamento e caça, posteriormente a utilização de agroquímicos (agrotóxicos e adubos solúveis) e atualmente leis restritivas quanto ao corte do mato e a caça.

 

O que vemos foi uma evolução de 120 anos, onde uma das principais conseqüências do modelo competitivo foi a perda ou quebra dos laços sociais da comunidade, em outras palavras da diminuição do capital social da região. Também houveram conseqüências ambientais principalmente em termos de diminuição da fauna e da flora.

 

Temos que análise nos leva a considerar a interdependência entre os fatores analisados, uma mudança no sistema tecnológico, como por exemplo o que foi realizada pela revolução verde, tem conseqüências no sistema econômico, no social e no ambiental. Vemos desta forma a importância e o inter-relacionamento entre os mesmo, não podemos conceber que uma ciência isoladamente possa trazer saber e desenvolvimento estando alheia as demais ciências e mesmo ao saber da população a qual pretende beneficiar.

 

Considerações Finais

Inicialmente temos que a ciência desenvolveu um sistema de conhecimento fragmentado e disciplinar, onde este é analisado por partes não possibilitando a visão do todo. Para a educação ambiental é necessária uma visão interdisciplinar, holística da realidade, esta talvez seja o primeiro grande desafio para o estabelecimento de uma nova postura do ser humano com relação ao seu meio ambiente e principal para a formulação do conhecimento. O grande entrave para isto acontecer é o modelo vigente, onde apesar de alguns esforços para que aconteça o exercício da interdisciplinariedade, os avanço ainda são pequenos, onde o processo educativo ainda, na maioria dos casos, possui um caráter estritamente disciplinar e técnico.

 

O modelo concentrador e produtivista é outro determinante para o desequilíbrio ambiental e social. Este fato se reflete na poluição, na destruição de florestas, da camada de ozônio, da biodiversidade (estamos perdendo riquezas inestimáveis sem ao menos nos darmos conta de que a temos). Juntamente com a destruição do meio ambiente temos o desequilíbrio social.

 

Neste sentido é necessária uma mudança, um questionamento de como podemos alcançar o desenvolvimento, devemos lembrar também que o mesmo é projeção de toda a sociedade, que não existem fórmulas prontas, que não vem por decreto e que nem cairá do céu, mas sim é resultado de um esforço coletivo de uma sociedade e que para isso é necessário que a mesma esteja organizada (Delevati, 2001).

 

A educação ambiental tem como intuito uma mudança da relação homem-natureza, é uma mudança comportamental, de visão de mundo e de troca de paradigmas.

 

A educação ambiental ultrapassa em muito as esferas hoje desencadeadas como processos educativos. Ela trabalha com dimensões como a ética, a cidadania, a participação, com a interdisciplinariedade, com o conhecimento da realidade local, desta forma a sua abrangência tende a uma modificação na maneira de se conceber e fazer um processo educativo.

 

A participação, é uma das mudanças necessárias, mas temos que ter uma atitude participativa (por exemplo que resposta eu daria a pergunta - eu sou participativo?). Temos que estar ferramentados (metodologicamente) para que o processo possa se desencadear de uma maneira correta. São inúmeros os processos ditos participativos que na realidade muito pouco tem de participativo.

 

Para Moura (2001), a educação ambiental está associada com a tradição da educação popular que compreende o processo educativo como um ato político no sentido amplo, isto é, como prática social de formação de cidadania. A educação ambiental popular compartilha com essa visão a idéia de que a vocação da educação é a formação de sujeitos políticos, capazes de agir criticamente na sociedade. O destinatário desta educação são os sujeitos históricos, inseridos numa conjuntura sociopolítica determinada.

 

Temos assim que a educação ambiental é um pressuposta básica para um novo relacionamento entre o Homem e a Natureza. È através dela que se podemos tentar modificar o atual estágio de desequilíbrio social, econômico e ambiental o qual vivemos em nosso tempo. Tarefa esta que é um dever de todos - das instituições, do poder político, dos cidadãos - enfim de todos os atores sociais que estão comprometidos com um modelo de desenvolvimento sustentável, não apenas na concepção, mas também em ações, pensamentos, posturas, sentimentos e sensações.

 

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