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EDUCAÇÃO AMBIENTAL: FUNDAMENTOS E MÉTODOS

Beatriz Osorio Stumpf

Fundamentos de uma Educação Transformadora:

Capra (1996, 1982) nos proporciona uma reflexão profunda sobre a crise multidimensional que está causando progressiva degradação mundial, analizando-a como fruto de uma crise de percepção: a crise constituida historicamente a partir da visão do mundo como um sistema mecânico, compartimentado, onde os seres vivos são considerados como máquinas e a sociedade como uma luta competitiva pela existência, com a crença em um progresso material ilimitado. Esta crise está levando a humanidade a uma condição fundamental para a sua sobrevivência: a necessidade de uma transformação radical em suas percepções, pensamentos, valores e comportamentos, fundamentada na visão holística, sistêmica, transdisciplinar. O envolvimento das pessoas na concretização desta mudança de paradígma só pode ocorrer através de um processo de educação efetivo e coerente com esta visão. A Educação Ambiental nasce da emergência desta percepção renovada de mundo: uma forma íntegra de ler a realidade e de atuar sobre ela (Viezzer & Ovalles 1995). Como profunda renovação, este processo educativo tende a questionar e a transformar a educação como um todo, trazendo fundamentos claros e processos metodológicos eficazes, os quais são expostos a seguir.

O pensamento sistêmico ou holístico compreende cada fenômeno dentro do contexto de um todo integrado, cujas propriedades essenciais surgem das relações entre as suas partes (Capra 1996). Esta visão permite a percepção do mundo como um sistema vivo que se auto-organiza, se auto-regula e se perpetua a partir das relações entre seus diversos componentes, todos interdependentes e complementares. São estas relações que proporcionam as características ideais para a existência e a manutenção da vida (Lovelock 1991), portanto cada elemento é importante nesta unidade formada por diversidades. A perspectiva holística já era trazida por culturas antigas, como a indígena, manifestada na carta do chefe Seatle (1854): "O homem não teceu o tecido da vida, ele é simplesmente um de seus fios..." , e vem sendo retomada por diversos autores como Capra (1982,1996), Morin (1982), Lutzenberger (1990), Boff (1995, 1998). Com sua abrangência, este novo paradígma reúne conhecimentos das diversas áreas da ciência e apresenta uma correspondência nas tradições espirituais, integrando ciência, filosofia, arte e tradições (Weil 1990).

A consciência desta interdependência fundamental entre todos os fenômenos envolve não só o nível mental de compreensão dos seus componentes, suas relações e suas causas, mas também a sensibilidade, a emoção, a admiração, o significado. Boff (1998) considera como elo religador uma nova experiência do sagrado, que nasce desta visão profunda do mundo e do sentimento de sermos todos envolvidos numa mesma consciência coletiva, numa mesma responsabilidade comum, a cidadania planetária. Para José Lutzenberger a verdadeira, a mais profunda espiritualidade consiste em sentir-nos parte integrante deste maravilhoso e misterioso processo que caracteriza Gaia, nosso planeta vivo: a fantástica sinfonia da evolução orgânica que nos deu origem com milhões de outras espécies. Unger (1991) se refere ao reencantamento do mundo, a partir do reencantamento do nosso olhar, nascido desta percepção do transcendente que está na harmonia de todas as partes funcionando e se relacionando dentro dos seus limites. Se esta consciência não for espiritual, permanece ainda em questão um produto quantificável chamado meio ambiente e um segmento da vida, não a vida em si, com sua complexidade, beleza e relevância (Schwars 1990).

Esta percepção ecológica profunda nos possibilita a constatação de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza e deles somos dependentes (Capra 1996). A conscientização e a sensibilidade que nascem desta visão, quando inseridas no nosso cotidiano, permitem uma relação mais harmoniosa com a natureza e entre as pessoas, traduzindo-se em mudanças de comportamento, valores e atitudes, junto a ações para a melhoria da realidade em que se vive, fundamentadas no respeito à diversidade natural e cultural.

Mas para transformar é necessário, antes de tudo, conhecer nossa própria realidade, observando o ambiente com visão crítica, percebendo os potenciais do local, suas características, seus problemas. A visualização dos problemas ambientais e sociais que nos circundam, junto a uma reflexão profunda sobre as suas causas, possibilita a percepção de que a origem desta situação de degradação se encontra em uma visão reducionista, materialista, competitiva e antropocêntrica. Esta percepção proporciona o questionamento e a crítica ao sistema ainda predominante. O questionamento traz a motivação para mudança, participação e cidadania.

A presente abordagem já era trazida nas importantes contribuições de Freire (1976, 1983), de que a profunda reflexão do sujeito sobre sua situação concreta proporciona a consciência, o comprometimento e a intervenção para a mudança positiva da realidade. A educação é vista como um processo de criação de conhecimento através de diálogo permanente, participação ativa, criativa e crítica (Faundez 1993). Neste sentido, Reigota (1994) considera a educação ambiental como uma educação política, que prepara os cidadãos para a autogestão e para a reivindicação de justiça social e de ética nas relações humanas e com a natureza. E o primeiro passo, segundo este autor, é o conhecimento das concepções de meio ambiente das pessoas envolvidas no processo. Para Candau (1991), o desafio da prática educativa é esta articulação entre o saber e as condições concretas de existência dos educandos, de forma que o novo saber decorrido desta relação seja instrumento de superação de suas próprias condições de vida.

Prado (1999) reforça a visão da educação ambiental como eixo articulador de um processo em que além de cada indivíduo aprender a apropriar-se do destino de sua própria vida, ele se transforma em um protagonista social, mobilizando sua sensibilidade, imaginação, vontade e talentos em um esforço que se estende do desenvolvimento individual ao coletivo, transformando as suas potencialidades em catalizadores de uma energia social transformadora. Para atingir este objetivo, o processo educativo ambiental deve envolver um caminhar com sentido, em atitude de aprendizagem, em diálogo com o entorno, com resultados concretos, avaliação contínua e constante renovação.

E para a verdadeira participação de cada indivíduo, auto-estima e auto-confiança são fatores fundamentais, os quais só podem ocorrer com a devida valorização das pessoas. Para Matsuschima (1984), educação significa propiciar o florescimento de algo que já está dentro da pessoa em estado nascente, e não encher de conhecimentos um recipiente vazio, estando intimamente relacionada com a valorização e a plenificação das potencialidades inerentes a cada indivíduo, que tornam este um ser único, diferente dos demais e, por isso, importante no todo. Esta valorização ocorre em uma educação que vê o ser humano de forma integral, estimulando o desenvolvimento harmonioso das dimensões da sua totalidade pessoal: física, mental, emocional e espiritual, preparando-o para participar dos outros planos da totalidade: o comunitário, o social, o planetário e o cósmico (Cardoso 1992). Marchand (1985) ressalta a educação para a vida e não para o mero acúmulo de informações, a qual vê o educando em sua inteireza, valorizando afetividade, pecepções, expressão, sentidos, crítica, criatividade e intuição. Puebla (1997) assinala a relevância do nível intuitivo, reconhecendo a confiança do indivíduo que aprende a escutar e a crer em sua voz interior como uma chave para o desenvolvimento pessoal e social, a qual permite, mais facilmente, a realização do nosso potencial mais elevado, auxiliando na resolução de problemas, na geração de novas opções e na tomada de decisões.

Bertalot (1995) acrescenta que o sucesso da aprendizagem depende muito do clima de confiança, carinho e apoio que for estabelecido entre educador e educando. A criança deve ser estimulada a se conhecer, se amar e se superar, sendo importante destacar sempre seus valores positivos, pois sem esta visão positiva é impossível o fluir do sentimento de amor: principal fórmula facilitadora do processo educativo. Neste processo é fundamental a busca de uma coerência interna e externa entre o discurso e a prática, portanto o professor que deseja renovar a forma de ver seus alunos, deve primeiro trabalhar consigo a percepção do seu próprio valor (Brahma Kumaris 1997). Esta educação para o desenvolvimento integral do ser humano proporciona uma caminhada de auto-conhecimento de cada indivíduo: a ecologia interior, trajetória de estar cada vez mais inteiro, mais consciente dos pensamentos, palavras, emoções e atos, a cada momento, em um profundo reencontro consigo mesmo. É o processo de observar-se, de ser testemunha de si mesmo, aprendendo com os erros, gostando de si mesmo, confiando e expressando o próprio potencial.

A importância deste trabalho relativo à subjetividade humana é trazida por Guatarri (1990) como uma das três dimensões abrangidas pela ecologia, junto com as relações sociais e a relação com o meio ambiente do qual fazemos parte. Somos seres de relação: o ser humano surge para o encontro consigo mesmo, com o outro e com a natureza (Boff 1995). Um grande desafio da humanidade hoje consiste em dar forma a uma nova vida social, criada a partir de individualidades livres e de maneira a possibilitar o livre desenvolvimento de cada individualidade. Viana & Höeffel (1998) consideram como propósito básico da educação ambiental a formação de pessoas amorosas, integradas ao sistema planetário e responsáveis pela vida na Terra. O amor é a emoção central da história evolutiva, o fundamento do social, sendo a educação o processo no qual o sujeito, ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente de maneira que o seu modo de viver se faz progressivamente mais congruente com o outro no seu espaço de convivência. A maior parte do sofrimento humano vem da negação do amor, portanto a competição não pode ser sadia, pois se constitui na negação do outro, não havendo coincidência entre o propósito individual e o social (Maturana 1997).

O reconhecimento de que as nossas diferenças nos completam e que as idéias, conhecimentos, habilidades e criatividade de cada um são fundamentais, ocorre junto a um processo de Ecologia Social: vivência de reencontro com as outras pessoas, que resgata valores como respeito, aceitação e afeto, proporcionando um aprendizado de valorização das diferenças, expressão e compreensão de idéias divergentes, resolução de conflitos, organização em grupo e construção coletiva, formando parcerias e redes para uma transformação positiva da realidade.

As relações saudáveis com o meio ambiente envolvem comportamentos e ações práticas voltados para a resolução de problemas e para a melhoria das condições ambientais. A permacultura, estratégia criada pelo australiano Bill Mollinson no início dos anos 70, envolve o planejamento, a implantação e a manutenção conscientes de ecossistemas produtivos, que tenham a diversidade, a estabilidade e a resistência dos ecossistemas naturais. Através da observação e do aprendizado com os princípios básicos que regem os sistemas naturais: interdependência, diversidade, reciclagem e flexibilidade, a permacultura reune elementos de culturas ancestrais com conhecimentos interdisciplinares da ciência moderna, integrando economia, ética, agricultura ecológica, sistemas de captação de água, bioarquitetura, etc. Esta estratégia resulta na integração harmoniosa entre as pessoas e a paisagem, de forma a satisfazer as necessidades humanas sem impactos ambientais negativos (Mollison & Slay 1998).

Estas ações e todo este processo educativo devem ser abordados de forma transdisciplinar, implicando em um princípio comum a todas as disciplinas, de forma que há uma comunicação entre elas, mas não ocorre a perda de seus conteúdos. A visão holística e sua ética constituem este foco comum que permite a convergência das ciências físicas e sociais, das artes e das letras, da filosofia e dos conhecimentos que transcendem o domínio racional. Do ponto de vista afetivo, os membros de uma equipe transdisciplinar precisam desenvolver características emocionais construtivas que permitam uma relação harmoniosa, como a modéstia de reconhecer os limites e o caráter reducionista da sua disciplina; a empatia e a capacidade de se colocar no lugar do outro; a paciência de ouvir, principalmente opiniões contrárias às suas; a abertura ou a disposição para mudar de opinião; a amizade em relação a cada um dos membros da equipe. Do ponto de vista cognitivo, é muito importante que haja um conhecimento mínimo das outras disciplinas e de suas relações, bem como das características da transdisciplinaridade e de suas funções (Weil, Ambrosio & Crema 1993).

 

 

 

Métodos: Os Princípios na Prática

 

Não existem receitas em educação ambiental, apenas idéias, pois este é um processo dinâmico em constante criação. A partir dos princípios desta visão educativa, ocorre a criação e a readaptação das práticas em diferentes realidades, utilizando a criatividade e a emoção como molas propulsoras.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (Ministério da Educação e do Desporto 1999), indicam a eleição de métodos e atividades que ofereçam experiências de aprendizagem ricas em situações de participação, nas quais os alunos possam opinar, assumir responsabilidades, resolver problemas e conflitos e refletir sobre as consequências dos seus atos.

Este aspecto participativo e prático é fundamental pois, segundo Lanz (1986), o mundo fala à criança não pelo conteúdo conceitual, mas pelo aspecto e configuração dos seus fenômenos. A criança requer imagens e situações concretas, de forma que a transformação dos fenômenos em conceitos e regras se processe paulatinamente, portanto emoções e vivências intensas devem acompanhar o ensino de todas as matérias, despertando a admiração e o entusiasmo diante das maravilhas do mundo. Planejamento e improvisação, ciência e arte devem estar simultaneamente presentes, de forma que a surpresa, a admiração e o prazer da descoberta sejam ingredientes de todo o ensino. O sentimento do belo pode ser cultivado pelo fazer, isto é, por atividades práticas, artísticas e artesanais, formando cada indivíduo no sentido de desejar fazer uma contribuição para a melhoria e o embelezamento do mundo, pois o idealismo introduzido à vida prática conduz o ser humano à capacidade de determinar-se a si próprio, de fixar metas.

Hartmann (1996) também considera a participação ativa do aluno como a chave-mestra para o êxito da educação ambiental, pois o conhecimento vivencial que vem da solução prática de problemas, contribui para o auto-conhecimento do indivíduo, o qual percebe um novo sentido para a sua vida na medida em que adota metas pessoais baseadas na solidariedade entre todos os seres. Gazzinelli (1997) propõe a educação ambiental para a gestão, que caracteriza-se por adotar a gestão ambiental como princípio educativo do currículo, centrando-se na idéia da participação dos indivíduos na gestão dos seus respectivos lugares, seja a escola, a rua, o bairro, a cidade. Desta forma o indivíduo é deslocado da condição de telespectador ou simples usuário do seu lugar, para o terreno das escolhas, tomada de decisões, ação reflexiva e deliberada sobre o lugar. O percurso pedagógico utilizado é o exercício de percepção ambiental reflexivo acompanhado do enfrentamento das questões que emergem desta atividade. Santos (1997) sugere a seguinte sequência de atividades coletivas: diagnóstico, eleição e discussão de prioridades, planejamento e execução de projetos, fortalecendo o elo entre escola e comunidade e tendo a participação como motor das transformações.

O diagnóstico socio-ambiental é um processo amplo de compreensão das inter-relações entre os diversos aspectos do meio ambiente e das atividades sociais, com a percepção dos efeitos das atividades humanas no meio ambiente, comparando a situação atual com a de épocas anteriores. Pode incluir atividades de interpretação ambiental, levantamento dos conhecimentos que os alunos já têm sobre a região, pesquisa de materiais e entrevistas com moradores; sempre acompanhadas pelo registro, organização, análise e divulgação dos dados, através de maquetes, mapas, fotografias, cartazes e relatórios. Viezzer (1995) vê a pesquisa participante como um instrumento que resgata para a comunidade o poder de pesquisar-se e conhecer-se, analizando o conteúdo das situações com as quais se confrontam e criando instrumentos úteis para a mudança.

A interpretação ambiental estimula as pessoas a olharem com atenção e de forma crítica o ambiente em que vivem e as suas relações com este ambiente, redescobrindo-o, identificando seus problemas ambientais e sociais, valorizando seus aspectos positivos, percebendo a multiplicidade de fatores envolvidos no funcionamento da natureza, e expressando a leitura que fazem do local. Este reolhar instiga o questionamento, a revisão de preconceitos, a vontade de buscar novas explicações. O objetivo fundamental da interpretação não é a instrução, mas a provocação, despertando a curiosidade, ressaltando o que parece insignificante, tratando o todo em conjunto, com suas inter-relações.

A interpretação ambiental guiada ou a visitação a locais que apresentam problemas ambientais, áreas preservadas e em recuperação, oferecem a oportunidade de verificar concrretamente os problemas e suas possíveis soluções, trazendo a crítica e a motivação para a mudança. Os trabalhos de campo e as trilhas interpretativas desenvolvem habilidades essenciais como observação, análise de dados, experimentação, resolução de problemas, tomada de decisões, comunicação e cooperação, possibilitando experiências com situações e ações concretas (Palmer & Neal 1992).

Metodologias participativas são técnicas que estimulam a participação ativa de todos os componentes do grupo, proporcionando um espaço para a formulação e a expressão de idéias, proposições e contraproposições, esclarecimentos, trocas e descobertas. Estes instrumentos ajudam os alunos a compreender melhor as questões abordadas, aumentar a confiança, ampliando conhecimentos, melhorando o vocabulário e a forma de ordenar os pensamentos. Através destas trocas, cada participante pode tomar consciência da sua identidade dentro do grupo, respeitando a si mesmo e aos outros através do falar e do ouvir, reconhecendo o potencial de cada um e do grupo. As dinâmicas de grupo possibilitam o aprofundamento de conteúdos curriculares, a discussão de problemas detectados no diagnóstico, considerando suas múltiplas dimensões, suas causas, consequências e possíveis soluções, além do planejamento coletivo de ações. Algumas técnicas motivadoras contribuem para desinibição, fixação dos conhecimentos adquiridos e fortalecimento da formação da personalidade (Antunes 1988). A chuva de idéias, por exemplo, auxilia neste processo participativo, possibilitando a livre expressão de conteúdos presentes no imaginário de cada indivíduo, através do encorajamento de idéias, da supressão da auto-censura e do estímulo à criatividade.

A partir do diagnóstico dos problemas, eleição de prioridades e levantamento de soluções viáveis, os alunos, sob orientação e supervisão, podem planejar, executar, avaliar e redirecionar projetos. A execução do planejamento coletivo se dá através da ação operativa, com o envolvimento e o comprometimento de todos os participantes, possibilitando a aprendizagem, o desenvolvimento de habilidades, a valorização das pessoas e a integração do grupo de forma cooperativa e organizada, com o envolvimento da comunidade na resolução de problemas concretos. Este processo pode envolver mutirões reunindo a comunidade escolar; e realização de oficinas: eventos teórico-práticos direcionados para um tema específico, tendo como base o trabalho coletivo. As oficinas ecológicas têm, por excelência, a dinâmica, a velocidade, o movimento harmônico. É a intenção viva da descoberta, por parte de todos, pensando, fazendo, criando, experimentando e discutindo (Andrade, Soares e Pinto 1995). Este processo pressupõe uma transformação radical no "clima da escola": ao invés de um ambiente triste, aborrecido e autoritário, surge mais alegria, mais natureza, mais cor, mais respeito mútuo e cooperação (Cadernos Cedes 1998).

Nuttal (1999) descreve sua experiência de implantação coletiva de uma agrofloresta nas dependências de uma escola primária em zona urbana, demonstrando como esta atividade de horticultura se transformou em uma poderosa ferramenta para o ensino e aprendizado, e como as crianças se beneficiam de um currículo que inclua oportunidades para seu desenvolvimento, experimentação, conhecimento do ambiente e participação ativa. O desenvolvimento de uma agrofloresta apresenta oportunidades para uma série de atividades, como observação, experimentação, coleta de dados, registro, elaboração de relatórios, plantação, manutenção, colheita, confecção de alimentos, construção, artes, oratória, tomada de decisões, operações matemáticas, etc.

Fedrizzi (1999) lembra que não adianta falarmos sobre ecologia em uma escola que apresenta seu pátio descuidado e sem vegetação, e que algumas pesquisas têm demonstrado o quanto melhora a capacidade de concentração das crianças quando elas têm maior contato com a natureza. Esta autora vê o pátio escolar como um importante recurso educacional, o qual pode promover aprendizagem, curiosidade, responsabilidade, socialização, respeito pela natureza e produção de alimentos saudáveis, entre outros benefícios.

Também fundamentada nesta visão, e utilizando os princípios da permacultura, Robina McCurdy, educadora ambiental da Nova Zelândia, desenvolveu a metodologia S.E.E.D. (School Environmental Education & Development), a qual tem proporcionado benefícios significativos em países como África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Este método envolve uma ação participativa, que reune a comunidade escolar na criação, execução e manutenção de um design ecológico para o pátio da escola, transformando-o em um instrumento de aprendizagem, integração e disseminação de práticas ecológicas. Durante este processo ocorre o ensino-aprendizagem de conteúdos curriculares sob uma forma prática e criativa, tendo como base a temática ambiental, proporcionando a vivência de valores cooperativos, o desenvolvimento de habilidades, o despertar da criatividade e o resgate cultural. Esta estratégia proporciona a atuação da escola como fonte irradiadora de transformações práticas para a comunidade e a facilitação da aprendizagem através de um ensino mais prático, dinâmico e direcionado para a realidade local. O pátio escolar torna-se um espaço inovador do processo de ensinar e aprender, assumindo um papel importante na vida de crianças e adolescentes e abrindo novas possibilidades na construção de saberes e valores. Esta é uma forma de inserir a temática ambiental em todas as disciplinas, tornando-a parte integrante do fazer pedagógico cotidiano.

Paralelamente a este processo participativo e prático de aprendizagem a partir da transformação de uma realidade, ocorre a elaboração coletiva de material didático, com a preparação de cartazes, cartilhas, folhetos explicativos e outros materiais de conteúdo relevante e de fácil leitura, cuja distribuição pode ser feita pelos próprios alunos, na escola e na comunidade.

A apresentação deste trabalho educativo à comunidade ocorre através de uma ação cultural, com a divulgação dos problemas observados, a proposição das soluções e a disseminação de uma nova postura com relação a estes problemas. Pode envolver a criação de um acervo ou centro de informações com artigos de jornais, livros, cartilhas e trabalhos realizados pelos alunos; a confecção de um jornal mural; a elaboração de correspondências para outras escolas, entidades, organizações populares ou autoridades públicas, contando os resultados de suas atividades, solicitando informações e/ou reivindicando ações; a organização de exposições de materiais realizados pelos alunos, palestras, campanhas, feiras, peças de teatro, etc.

A avaliação deve acompanhar todo o processo educativo ambiental, podendo ocorrer principalmente na forma de fechamento de cada atividade ou de cada etapa, através de uma rodada de expressão dos sentimentos de cada participante. Neste momento podem ser observadas as dificuldades de cada um e do grupo, os métodos que estão funcionando de forma mais efetiva, as idéias e os encaminhamentos para novas formas de ação. A prática da auto-avaliação é fundamental (Brama Kumaris 1997). A retrospectiva no final de cada aula é importante para a solidificação dos conteúdos (Bertalot 1995). Noal et al (1998) ressalta a importância de encarar o erro e o insucesso como parte integrante e construtiva do processo de aprendizagem, como ponto de partida de uma reflexão sobre os problemas enfrentados.

Para a introdução da dimensão espiritual à experiência educacional, abordando a busca de significado e sentido no mundo, a filosofia holística incorpora as formas de conhecimento intuitivo e metafórico ao conceito lógico-analítico da cognição (Hutchison 2000). Torna-se necessário o desenvolvimento de novas capacidades, como vibrar emocionalmente, interconectar-se e pensar em totalidade (Prado 1999), portanto, este processo educativo deve ser acompanhado por métodos que possibilitam a sensibilização, as manifestações artísticas, o resgate cultural, o estímulo à intuição e às expressões afetivas e criativas. Este aspecto metodológico é importante, pois as pessoas costumam vir para uma experiência já condicionadas por conceitos e valores, precisando descondicionar-se para se abrir a novas formas de ver o mundo, sentir e agir. Assim, a busca do conhecimento passa a incluir a imaginação, os sentidos, a emoção e o gosto estético, de forma que o professor deixa de ser o protagonista e passa a ser um facilitador, estimulando o aluno a investigar, aprender com os erros, compartilhar suas experiências e valorizá-las com os outros (Mirza 1999).

A sensibilização utiliza técnicas lúdicas, exercícios corporais, respiratórios e de relaxamento, junto a vivências de integração das pessoas consigo mesmo, com os outros e com o ambiente. Rozman (1979) cita a visualização criativa como um importante estimulador do uso natural da imaginação com propósitos construtivos e da exteriorização destas imagens de maneiras criativas. Mirza (1999) introduz a meditação como um antídoto contra a alienação, pois ela desperta a consciência plena e melhora o nível mental nas seguintes funções: atenção, memória, equilíbrio emocional, sincronização das ondas cerebrais dos dois hemisférios e eficiência no desempenho de tarefas.

Ignácio (1995) considera que a tarefa dos educadores não é somente ensinar conceitos abstratos, mas proporcionar vivências que fortaleçam as forças vitais, apoiando a força de vontade para agir, criar, transformar e brincar. Neste sentido, podem ser utilizados jogos didáticos e cooperativos, que possibilitam o aprendizado de uma forma atrativa e dinâmica, além de proporcionarem o desenvolvimento de habilidades, criatividade, expressão e sociabilização. Estas atividades buscam a participação de todos e o desenvolvimento de atitudes de empatia, cooperação, estima e comunicação. A importância está nas metas coletivas, em jogar com os outros para superar desafios e obstáculos e não para vencê-los (Brown 1995). Silva (1999) considera essencial que as crianças possam explorar o espaço e os objetos a sua volta, interagir com seus companheiros, reproduzindo e recriando situações do seu cotidiano. O uso de jogos valoriza não apenas a atenção, a memória, a observação, mas também a ação, o movimento e a criação, englobando aspectos motores, cognitivos, afetivos e sociais, além de permitir que a aprendizagem ocorra em uma situação prazeirosa, de entusiasmo e de cooperação. Quando jogamos cooperativamente, podemos nos entregar, plenamente, à aventura de ser a gente mesmo, junto com os outros (Brotto 1999).

A arte-educação possibilita a intimidade de cada indivíduo consigo mesmo e a comunhão com o mundo ao seu redor, cultivando o ser criativo, despertando a sensibilidade e a consciência mais profunda, pois rompe com as limitações e com as fragmentações às quais a nossa mente está condicionada. É um instrumento extremamente rico para a reflexão sobre a realidade e o cotidiano, que proporciona a manifestação expressiva da sensibilidade (Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo 1994). Tocado em sua sensibilidade, o educando é levado a ter uma compreensão mais humanizada da realidade, reintegrando-se consigo mesmo e com a natureza (Padua & Tabanez 1997). Steiner (1996) ressalta que a alegria de viver, o amor pela existência e a força para o trabalho nascem do sentido estético e artístico, portanto, o elemento rítmico, a cadência, a melodia, a combinação de cores e a repetição são elementos extremamente importantes para a aprendizagem (Steiner 1992).

Diversos elementos artísticos podem ser utilizados no processo pedagógico, como teatro, música, vídeos, lendas, dança, desenho, pintura, colagem, escultura, arte-reciclagem, literatura, poesia, etc. Os recursos da linguagem do vídeo permitem uma representação verossímel de fatos da realidade natural e/ou social, podendo suscitar debates profundos (Trajber & Costa 2001). A dança é uma forma de integrar corpo, movimento, expressão, pensamento e sentimento, constituindo um importante instrumento facilitador do potencial criativo, da autopercepção, da comunicação e da expansão da consciência. Danças circulares sagradas sempre foram usadas, desde os primórdios da civilização, para levar o ser humano a conectar-se com sua natureza interior mais profunda e, através dela integrar-se à totalidade do Universo (Ramos 1998).

O uso do espaço circense é indicado pelo trabalho do I.A.R.A (1997), que considera o circo como uma forma livre de expressão, um espaço de criação coletiva, transformante e transformador da realidade. Ribeiro (2000) acrescenta o humor ao processo educativo, o qual dá graça e sabor à existência, envolvendo criação, imaginação e arte. O humorista deforma a realidade usualmente percebida, sublinhando aspectos e relevando ângulos inusitados, que fazem pensar e refletir. Com graça e inteligência, o humor denuncia, critica e desperta a sensibilidade adormecida pela anestesia dos sentidos e da percepção. O humor educa divertindo, fazendo perceber o ridículo e o cômico.

Todos estes métodos têm sido utilizados com sucesso, de formas variadas, em diversas atuações em educação ambiental. No entanto, temos ainda um grande caminho pela frente, com muita ação, reflexão e transformação, envolvendo cada vez mais pessoas e formando multiplicadores. Nesta trilha, é preciso muita troca, sendo fundamental é registrar ao máximo todas as atividades realizadas, com resultados, observações, reflexões e falas dos envolvidos. A publicação e divulgação destes trabalhos tem papel importante na instrumentalização e motivação de outros educadores, além de colaborar com a necessária valorização da educação ambiental.

 

 

 

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